Reflexões sobre a Ingenuidade
Frithjof Schuon
A atribuição de um espírito ingênuo a todos os que nos precederam é o meio mais
simples de realçarmo-nos a nós mesmos, e é tanto mais fácil e sedutor quanto se baseia em
parte em comprovações exatas, ainda que fragmentárias, e exploradas a fundo — com a
ajuda de generalizações abusivas e interpretações arbitrárias — em função do
evolucionismo progressista. Em primeiro lugar, seria necessário entendermo-nos acerca da
própria noção de ingenuidade: se ser ingênuo é ser direto e espontâneo e ignorar a
dissimulação e os subterfúgios, e também, sem dúvida, certas experiências, os povos não modernos efetivamente possuem — ou possuíam — certa ingenuidade; mas, se ser ingênuo
é simplesmente estar desprovido de inteligência e senso crítico e estar aberto a todos os
enganos, certamente não há nenhuma razão para admitir que nossos contemporâneos sejam
menos ingênuos do que nossos antepassados.
De qualquer modo, há poucas coisas que este ser "insulado" que é o "homem de
nosso tempo" suporte menos do que o risco de parecer ingênuo; que pereça todo o resto,
contanto que o sentimento de não se deixar enganar por nada fique a salvo. Na realidade, a
maior das ingenuidades é crer que o homem possa escapar a toda ingenuidade em todos os
planos e que lhe seja possível ser integralmente inteligente por seus próprios meios;
querendo ganhar tudo por meio da astúcia, acaba-se por perder tudo na cegueira e na
impotência. Os que censuram aos nossos antepassados terem sido tontamente crédulos
esquecem, em primeiro lugar, que pode-se também ser tontamente incrédulo, e que em
matéria de credulidade não há nada como as ilusões de que vivem os pretensos destruidores
de ilusões; pois pode-se substituir uma credulidade simples por uma credulidade
complicada — e adornada de meandros com uma dúvida indispensável que faz parte do
estilo —, mas que é sempre credulidade; a complicação não torna o erro menos fácil, nem a
tolice menos tola.