a água está a ganhar-me semelhanças.
Escuto ventos, derrames de céu.
Parecem-me luas e são lábios.
Lembranças da minha amada.
A tua boca me ilude, sou culpado de teu corpo.
Saudade: sou mais tu que tu.
Escuto, depois a enchente.
Longe, a água desobedece a paisagens.
O rio toma banho de troncos,
raÃzes da água se soltam.
Sigo de catarata, luz encharcada.
E peço desculpa à margem:
desconhecia as unhas de minha transbordância.
Meu sonho está cega para razões.
Sei só escrever palavras que não há.
Depois, o sono me encaracola:
estou a ser pensado por pedras,me habilito a chão, o desfuturo".
Mia Couto
Último fragmento do Conto "Miudádivas, pensatempos" em "Contos do nascer da terra"
Lisboa:Editorial Caminho
-2009-