Não me aproximo porque, veja bem, sabe lá quem habita a tua solidão. Hesito. Recuo. Me afasto tristíssima. E te imagino em poses e sorrisos, voz grave e cabelos desgrenhados, preso nas minhas fantasias mais loucas e movimentadas.
Numa delas sou um bichinho invisível, com asas, que adentra tua casa e te observa em segredo.
Faço o contorno do teu corpo todo com os olhos, parada contra a parede do teu quarto
imóvel, enquanto tu te atiras na cama. Cansado.
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Tu olhas para o teto imaginando mil coisas, memórias, compromissos, desejos, saudades. Te fito com dor.
A luz do abajur faz sombra na tua pilha de livros, que folheei um dia e quis pedir emprestado
mesmo sabendo que não havia intimidade para pedidos
Por razões que desconheço, nossas aproximações
foram sempre pela metade. Interrompidas.
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Um passo para a frente e cem para trás. Retrocessos. Descaminhos. [...] Nós poderíamos ser amigos e trocar confidências.
Assistiríamos a filmes, taça de vinho nas mãos, e tu me detalharias as tuas paixões e desatinos.
Nós poderíamos ser amantes que bebem champanhe pela manhã
aos beijos num hotel em Paris.
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Caminharíamos pela beira do Sena, e eu te olharia atenta, numa tentativa indisfarçável
de gravar o momento e guardá-lo comigo até o fim dos meus dias.
. Ou poderíamos ser apenas o que somos, duas pessoas
com uma ligação estranha, sutilezas e asperezas subentendidas,
possibilidades de surpresas boas. Ou não. Difícil saber.
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[...] E me pergunto se, quem sabe um dia, na hora certa,
nosso encontro pode acontecer inteiro.
nosso encontro pode acontecer inteiro.
Porque tu és o único que habita a minha solidão."
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# Caio Fernando Abreu #
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