(Escrito em 1945, por Mário de Andrade)
"Contei meus anos, e descobri que terei menos tempo para viver d"aqui para frente, do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicentemente; mas, percebendo que faltam poucas para acabar, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturas. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.
"As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos". Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência. Minha alma tem pressa... Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana! Gente que sabe rir de seus tropeços, que não se encanta com triunfos, que não se considera eleita antes da hora, que não foge de sua mortalidade... Quero caminhar perto de coisas e de pessoas de verdade. O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial!"
Mário de Andrade (1893-1945)