NÃO SER FLUMINENSE
De repente entendi. Tudo. Sem mais nem menos.
Entendi por que tanto incomoda aos adversários o sucesso do Fluzão. Ou antes: por que os apavora a mera possibilidade de nosso sucesso. Entendi todos os sentimentos agressivos, a torcida uniformizada contra, os apelidos raivosos, as entregadas de jogo, os WOs. A felicidade com a nossa não-Libertadores. E com a não-Sulamericana. O assombro decepcionado com o Milagre Tricolor e a nossa não-queda.
Irmãos Tricolores, compreendi. E peço a vocês que entendam e perdoem.
Ponham-se no lugar deles. Imaginem acordar de manhã, todas as manhãs, e NÃO SER FLUMINENSE. Não ser NÓS, sabe-se lá por que fado tirano. Não ser um dos pioneiros fundamentais do Futebol Brasileiro. Não ter fundado o próprio rival, em 1911. Não ser por ele reconhecido em seu hino.
Imagine sair pra trabalhar todo dia sem ter fundado a Seleção Brasileira. Sem ter sediado o primeiro jogo da mesma, em 1914, no então "campo do Fluminense". Não ter o Center-Half que fez seu primeiro e histórico gol.
Imagine que seu time não construiu o primeiro estádio do Brasil, em 1919, inteiramente com recursos próprios, Berço da Seleção, hoje monumento histórico devidamente tombado. O qual sediou a primeira competição internacional e o primeiro título da Seleção que viria tornar-se a mais temida e poderosa do planeta. Imagine que seu clube não sediou os jogos do Centenário da Independência, em 1922, com várias modalidades olímpicas, e cujas quadras esportivas foram construídas também com recursos próprios graças à fiança de empréstimo bancário por seu presidente, pois o Governo Federal não aportou os recursos tratados quando estes foram necessários. E que nesses jogos e e em nossa casa, o Brasil conquistou seu segundo título internaci onal de futebol.
Berço da Seleção.
Imagine que em 1920 seu clube não tenha ganho as três primeiras medalhas olímpicas da história esportiva do Brasil: ouro, prata e bronze, pela Equipe Tricolor de Tiro. E que o país tenha levado 60 anos para superar este feito, nas Olimpíadas de Moscou em 1980.
Imagine irmão Tricolor, que seu clube poderia não ter em seu nome a energia do FLUMINENSE, o RIO, o que corre e transborda, irrepresável inundação, que extrapola e fecunda por sobre e além dos limites imaginados. Que não seja um propagador do Gen futebolístico. Que a possibilidade de NÃO SER FLUMINENSE existe, e é real. E que muitos NÃO O SÃO.
Lembre-se que o destino irrevogável de todo Rio, cedo ou tarde, é a imensidão oceânica.
Imagine que seu clube não crie nem extrapole. Apenas alista-se em competições e disputa troféus. Que não tenha participado do esforço de guerra brasileiro no combate ao nazismo durante a Segunda Guerra Mu ndial. Que, ao contrário do Fluminense, não tenha doado um avião às Forças Armadas Brasileira s, co tizado por seus sócios, e não tenha montado um curso de enfermagem de guerra para atender nossos feridos.
Por isso irmão Tricolor, seja compreensivo com os adversários raivosos. Com os não-Fluminenses. A paixão deles, que também não é pequena, não conta com esse respaldo. Nunca foi considerada pelo criador da Copa do Mundo "a mais perfeita organização esportiva do planeta". A paixão deles não foi condecorada com o Prêmio Nobel dos Esportes, a Taça Olímpica de 1949, concedida pelo COI. Tampouco venceram um Mundial Interclubes no ano de seu cinqüentenário, em 1952.
Sua sede não foi palco da mais intensa vida social e cultural da Capital da República, com a promoção de espetáculos teatrais e festivais de música.
Imagine Tricolor, que o clube deles não tem um Profeta, um Santo, com devotos de todas as cores e agremiações. Todos tem se us Brasões e seus Troféus, mas só o Fluminense tem Nelson Rodrigues.
Continue irmão, imaginando que sua Torcida não é a melhor e mais bonita do mundo, com os mais incríveis espetáculos registrados. E que ela não é reconhecida por seu nível diferenciado de educação, e freqüentada por famílias, mulheres, crianças e gringos, sempre bem-vindos à nossa festa, inigualável e pacífica.
Imagine tudo isso Irmão Tricolor e procure compreender os NÃO-FLUMINENSES. Você também não sentiria uma esmagadora inferioridade e a sensação de que o Fluminense já foi longe demais em suas realizações, e que qualquer conquista além daqui seria uma desproporção, uma ofensa? Você também não torceria contra o Fluminense?
Nossa grandeza não se mede em números, ou cifrões, ou troféus. Nossa grandeza tem o tamanho do pavor que nosso possível sucesso provoca nos adversários. E na alegria imensurável que proporcionamos quando não o alcançamos.
Portanto, irmãos de sangue grená, vos imploro:
Compreendei e perdoai nossos adversários.
Eles não sabem o que falam.
Eles não são FLUMINENSE.
Não são NÓS.